
Em 1999, a indústria nuclear japonesa sofreu um grave acidente na cidade de Tokaimura, na província de Ibaraki, Japão. O incidente ocorreu em uma instalação de processamento de combustível nuclear e é considerado um dos piores acidentes nucleares da história do país.
Contexto: enriquecimento de urânio
Para entender o acidente de Tokaimura, é necessário entender o processo de enriquecimento de urânio realizado na usina.
O enriquecimento de urânio começa com a conversão de urânio em hexafluoreto de urânio (UF6), um composto gasoso em condições normais. Posteriormente, o urânio enriquecido na forma de UF6 é transformado em óxido de urânio (U3O8), o que é obtido em um tanque com uma solução aquosa de nitrato de uranila.
O composto resultante é convertido em pequenos pellets cerâmicos, que constituem o combustível nuclear usado em usinas de energia.
Na planta de Tokaimura, a solução de óxido de urânio teve que ser transferida para um tanque específico e posteriormente misturada com nitrato de uranila puro, homogeneizado por uma purga de gás nitrogênio. Por fim, a mistura foi despejada em um tanque de precipitação resfriado a água para dissipar o calor gerado pela reação exotérmica.
Por razões de segurança, havia um limite rigoroso na quantidade de urânio que poderia ser adicionado ao tanque de precipitação para evitar uma reação nuclear em cadeia autossustentável. Este máximo foi fixado em 2,4 kg de urânio.
Causas do acidente
O procedimento padrão foi alterado sem aprovação regulatória em novembro de 1996. Como resultado, quando o combustível estava sendo preparado para o reator experimental JOYO em setembro de 1999, os trabalhadores dissolveram pó de U3O8 em ácido nítrico em baldes de aço inoxidável e despejaram a solução diretamente no tanque de precipitação, em vez de seguir o procedimento seguro estabelecido.
Em 30 de setembro, quando o conteúdo do sétimo balde foi despejado, a quantidade total de solução no tanque atingiu 40 litros, excedendo a massa crítica necessária para iniciar uma reação em cadeia de fissão nuclear. Como resultado, a solução começou a emitir nêutrons e radiação gama.
Consequências imediatas do acidente
O trabalhador que adicionou o sétimo cubo de nitrato de urânio ao tanque, Hisashi Ouchi, testemunhou um flash azul característico da radiação Cherenkov. Tanto ele quanto outro trabalhador próximo sentiram imediatamente dor, náusea e dificuldade para respirar. Minutos depois, Ouchi vomitou e perdeu a consciência.
Embora não tenha havido explosão, a reação nuclear gerou uma intensa emissão de radiação gama e nêutrons, o que disparou os alarmes da usina.
Onze horas após o início do acidente, o nível de radiação gama nas proximidades da usina era de aproximadamente 0,5 milisieverts por hora.
A reação em cadeia continuou por cerca de 20 horas até que os trabalhadores conseguiram interrompê-la adicionando água de resfriamento ao redor do tanque e ácido bórico ao decantador. O boro, sendo um bom absorvedor de nêutrons, ajudou a interromper a reação.
Durante todo o processo, o líquido no tanque foi aquecido até ferver, causando flutuações na reação em cadeia. À medida que esfriava e a água condensava, a reação recomeçou momentaneamente, até finalmente cessar.
Embora a radiação de nêutrons tenha cessado, a radiação gama residual dos produtos de fissão permaneceu no tanque por algum tempo. A maioria dos produtos radioativos voláteis ficou confinada dentro do edifício, embora alguns gases nobres e iodo-131 tenham sido liberados na atmosfera.
Consequências gerais do acidente
O acidente afetou seriamente os três trabalhadores envolvidos no manuseio da solução. Seus nomes eram Yutaka Yokokawa, Masato Shinohara e Hisashi Ouchi.
Dois deles estavam em estado crítico. Hisashi Ouchi morreu após 12 semanas de sofrimento, enquanto Masato Shinohara morreu sete meses depois. Estima-se que a dose de radiação recebida por Ouchi tenha variado de 1 a 20 sieverts.
Além disso, 56 trabalhadores da usina foram expostos à radiação, pelo menos 21 dos quais receberam doses significativas e necessitaram de acompanhamento médico.
As autoridades restringiram o acesso num raio de 200 metros da instalação. Além disso, 161 pessoas foram evacuadas de áreas num raio de 350 metros da usina, e 310.000 moradores num raio de 10 quilômetros foram instruídos a permanecer em suas casas por 18 horas até que a situação estivesse sob controle.
Quando a reação em cadeia foi concluída, os níveis de radiação externa retornaram ao normal. De acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), os níveis de radiação nas proximidades da usina retornaram aos níveis naturais em outubro de 1999. Além disso, análises de iodo-131 no solo e na vegetação indicaram que os alimentos não foram afetados.
Classificação na escala INES
O acidente de Tokaimura foi classificado como Nível 4 na Escala Internacional de Eventos Nucleares e Radiológicos (INES), o que significa um "acidente sem risco significativo fora do local".
Medidas subsequentes
As investigações concluíram que o acidente ocorreu principalmente por erro humano e falha em seguir os procedimentos de segurança.
Como resultado, as autoridades nucleares japonesas decidiram que as usinas de processamento de combustível do país deveriam ser totalmente automatizadas para evitar incidentes semelhantes no futuro.
Situação atual
Após o acidente nuclear de 1999 na usina de processamento de combustível de urânio de Tokaimura, de propriedade da JCO, a instalação foi fechada e encerrou as operações. O incidente, classificado como Nível 4 na Escala Internacional de Eventos Nucleares e Radiológicos (INES), destacou deficiências significativas nos procedimentos de segurança e na supervisão regulatória da indústria nuclear japonesa.
Posteriormente, as autoridades japonesas implementaram reformas nas regulamentações de segurança nuclear, aumentando a supervisão e estabelecendo medidas mais rigorosas para evitar incidentes futuros.
Embora a usina de Tokaimura permaneça fechada, o Japão continuou a usar energia nuclear, reiniciando alguns reatores em outras regiões do país após melhorias em seus sistemas de segurança.